08 novembro 2006

HISTÓRIAS DE TRUPES

Inspirado no artigo do Batinas sobre Trupes, aqui estou eu para contribuir com mais algumas histórias.

Antes disso devo dizer que fazer trupes era uma coisa muito stressante, porque nunca sabíamos quando ía haver porrada da grossa ou não. Cheguei a ver-me envolvido numa situação em que a trupe se confrontou verbalmente com algum pessoal duma república – onde uma grande maioria tem a mania que são antipraxistas e que todos têm de ser como eles – e tendo um dos da trupe acabado por ficar no meio deles (não sei muito bem como) foi ameaçado com uma navalha ou algo assim. Felizmente tudo acabou em bem.
Outro grande problema era a Praça da República: por ser uma espécie de placa giratória da malta a caminho da borga e da Associação Académica era um sítio em que era relativamente fácil apanhar caloiros, mas a malta que se sentava na esplanada do Café Académico e outra malta que andava também por ali a girar, não gostava muito que nós andássemos por ali a caçar caloiros e então era sempre difícil. A primeira vez que fui ali em trupe foi no que chamávamos uma “megatrupe” (sim, podem informar a miudagem que a palavra “mega” não foi inventada pela Floribela) e que o Batinas já descreveu: 40/50/60/70 gajos todos juntos e armados com mocas, para que não houvesse qualquer tipo de confusão ou contestação. Penso que foi nessa noite que chegamos a dividir-nos em duas trupes; apanhava-se um caloiro, levava-se para o Jardim de Santa Cruz (para os mais incautos é o verdadeiro nome do Jardim da Sereia) e assim que se acabava de rapar era só atravessar a rua e ir à esplanada buscar mais. Foi um fartote.
Depois quando era já Quartanista (ano a partir do qual um estudante está autorizado a chefiar uma trupe, embora houvesse algumas excepções que permitia, se bem me lembro, aos Putos de Medicina serem chefes de trupe) em duas das trupes que chefiei fui a essa mesma esplanada com trupes de 10/12 gajos, o que foi simultaneamente um acto de grande coragem (minha e dos companheiros, que consultei antes de avançar para lá) e de inconsciência. Também, felizmente tudo correu bem, mas podia não ter corrido. E a verdade é que penso que foi a partir da segunda dessas trupes que tomei consciência do perigo em que andava metido e que não voltei a participar em trupes.

Mas das que fiz antes disso recordo algumas histórias interessantes, com as quais vos vou maçar.

Uma vez fiz uma trupe muito pequenina logo no meu segundo ano e levámos um “cão de fila”. O “cão de fila” era um caloiro que fazia parte da trupe e que denuciava à trupe caloiros que conhecesse, porque muitas vezes os mais velhos não os conheciam e era sempre aborrecido abordar Semiputos ou Putos que por terem aspecto de novatos eram confundidos com caloiros. Ora, era da Praxe escrita no Código, que sempre que uma trupe não apanhasse nenhum caloiro o “cão de fila” era rapado. Mas era da Praxe não escrita que mesmo que se apanhassem outros caloiros o “cão de fila” era rapado. Apesar desta segunda parte parecer um bocado injusta, eu sou da opinião que era uma prática correcta porque o rapanço ao “cão de fila” tinha dois objectivos pedagógicos muito interessantes: um, impedir que ele se esquecesse que era caloiro; dois, fazer-lhe perceber que trair os seus companheiros e pares não era o caminho correcto para singrar na Academia. Por isso mesmo o “cão de fila” foi rapado – ainda que simbolicamente – e lembro-me que ficou muito zangado porque tinha efectivamente havido rapanços e entendia, portanto, que devia ter sido poupado. Como eu não quero denunciar ninguém lanço uma pergunta indirecta: algum de vós, meus caros bloggers de serviço, me sabe dizer o que pensa actualmente esse sujeito sobre os rapanços ao “cão de fila”? ;-)

Não sei se foi nessa noite que ocorreu uma das situações mais espectaculares que presenciei em trupe.
Estávamos perto da ponte de Santa Clara e vimos um sujeito todo pimpão a caminho da ponte (devia ir para a discoteca que ficava do outro lado do rio). Abordámo-lo e o chefe pergunta, com toda a delicadeza:
- O que é pela Praxe, por favor?
- Sou semiputo.
- Então mas já viu que horas são? Já passa da 1h00 da manhã!
(NOTA: os semiputos deveriam estar recolhidos em casa à 1h00 e os caloiros à meia-noite, sob pena de levarem com uma colher de pau nas unhas, “sanção de unhas”, as vezes que o chefe de trupe determinasse).
Ele olha para o relógio desconcertado e exclama:
- O quê? Já é uma da manhã? Ena 'cum' caraças, então realmente estou fora de horas e logo vocês me foram apanhar... que seca.
Torna o chefe de trupe, com toda a delicadeza:
- Pois sabe, vamos então ter de lhe aplicar uma sanção de unhas... - e preparava-se para explicar os procedimentos com toda a calma e meticulosidade, porque quando estávamos em trupe e apanhávamos alguém aproveitávamos para fazer render o peixe e estarmos ali entretidos. Nunca sabíamos quando (e se) apanhávamos outro. Mas o abordado interrompe-o, com um ar muito humilde e suplicante:
- Pois claro que sim, bem sei, só vos pedia se podiam ser rápidos porque estou com um bocado de pressa – neste ponto olha para o relógio com certo desespero – e ainda por cima atrasei-me...
O que as trupes mais detestavam era gajos que fossem armantes: esses eram castigados forte e feio; mas se víamos que a pessoa era humilde e que cooperava, nós cedíamos e procurávamos minimizar os estragos, principalmente em casos em que estávamos a abordar semiputos... e por isso o chefe de trupe decide-se a decretar rapidamente a sanção e passar para a fase de aplicação.
Já ía a colher de pau no ar para dar a primeira pancada nas unhas do Semiputo quando alguém da trupe diz:
- Alto!!! [Não, não era o João Cléber].
O chefe de trupe pára, intrigado com aquela intromissão numa fase tão avançada da coisa e o que tinha intervido pergunta ao rapaz:
- O senhor dá a sua palavra de honra em como é Semiputo?
- ........ não... sou caloiro!
Nunca cheguei a saber o que lhe passou pela cabeça para fazer aquela pergunta naquela hora, porque normalmente fazia-se muito antes para tentar detectar aquelas situações em que os caloiros – naturalmente – tentavam safar-se com uma mentirita, mas aquele tinha sido tão convicente que nos tinha hipnotizado a todos e ninguém fizera a pergunta.
Obviamente o caloiro foi rapado, mas tenho ideia (não sei se algum de vós lá esteve, que possa confirmar) que ficámos tão maravilhados com aquela representação que nem o rapámos muito.

Adiante. Vou contar-vos uma história de caça a Semiputos, mais concretamente a um certo Semiputo.
Até ao terceiro ano eu morava numa casa que ficava a 500 metros da casa do Batinas. Na minha casa viviam mais estudantes, a maioria dos quais do meu ano. Estes meus amigos lá de casa não íam muito à bola com o meu outro amigo Batinas. No caso de um deles (AM) havia mesmo uma grande repulsa entre os dois, quer porque o AM não gostava de Praxe e achava que o Batinas era muito exagerado a praticá-la, quer porque eles se situavam em campos políticos opostos e eram adversários nas listas para as eleições da Faculdade. Os outros (JE e V) eram mais moderados e eu era um grande amigo do Batinas, como ainda hoje sou. Seja como for, lá em casa andava tudo mortinho por pregar alguma ao Batinas e eu (amigos amigos, negócios à parte) também não me importaria de o fazer se a oportunidade surgisse. Foi então que surgiu a sugestão: apanhar o Batinas numa noite em que ele fosse fazer uma trupe, se ele chegasse a casa depois da 1h00 (ele era Semiputo naquele ano, por isso tinha de chegar até à 1h00). Como o AM era quartanista podia chefiar a trupe e íamos esperá-lo à porta de casa. Eu teria de fazer o papel de “cão de fila” e atraiçoar o meu amigo Batinas porque era eu que sabia os dias em que ele ía fazer trupes.
E assim foi: num dia em que sabia que ele ía fazer trupe, avisei lá em casa; pelas 12h50 estávamos a formar trupe numa República e à 1h00 estávamos à porta da casa dele. Para aí uma meia hora depois chega ele e quando vai a atravessar do passeio onde existe agora o supermercado “Superdesconto” para o da casa dele, nós saímos-lhe ao caminho da sombra em que estávamos escondidos. Ele riu-se e viu que alguém o tinha tramado (ainda não sabia quem porque naquela noite estávamos de cara tapada, para dar mais gozo). Não sei se ainda tentou correr para a porta, mas nós não lhe demos hipótese.
O AM, soltou a lenga lenga, que eu lhe estivera a ensinar detalhadamente:
- Boa noite, o que é pela Praxe?
- Sou Semiputo – disse ele a rir-se enquanto nos ía identificando – este é o meu padrinho, este é o AM, aquele é o JE... e este? Ahh... é o V...
- O senhor sabe que não pode andar na rua depois da 1h00.... - e explica-lhe muito detalhadamente tudo o que o Batinas estava cansado de saber.
Enfim, naturalmente aplicámos-lhe uma sanção de unhas, na qual apenas o V bateu um bocadinho mais forte, porque a ideia era mesmo a de lhe pregar a partida. Acho que, apesar de tudo, ele o pode confirmar, é uma noite que ele deve ter achado piada.

E vou acabar mais este longo post com a história do meu primeiro rapanço. Conto-o não por ter sido o meu primeiro, mas sim porque a sua envolvente teve alguns detalhes rocambulescos que, penso, o tornam de interesse mais geral. Além disso foi um rapanço que fez grande furor na Academia na altura, pelas razões que à frente explicarei.
Vou designar a vítima por ZZ e omitir o ano em que isto ocorreu para preservar o seu anonimato, porque o primeiro detalhe engraçado da história é que ZZ seguiu a carreira política e à data em que escrevo este artigo ele exerce um cargo público de algum relevo, pelo que seria fácil identificá-lo se indicasse quer o ano, quer as suas verdadeiras iniciais.
ZZ nessa fatídica – para ele – noite saiu da Via Latina (a discoteca) depois da meia noite e nós estávamos lá, do outro lado da rua, à espera dos incautos que se atreviam a desafiar a proibição da Praxe. Viu-nos. Soubemos depois que sem sombra de dúvida nos viu, embora não tivesse feito qualquer sinal de nos ter visto. E não só nos viu na sombra à espera, como nos viu também a dirigir-nos a ele decididos a abordá-lo, enquanto descia, muito calmamente, os 15 a 20 metros que separavam a porta da Via Latina da Praça da República. Dirigimo-nos a ele, como era da Praxe não escrita, muito calma e ordeiramente. Mas quando ele virou a esquina da Praça da República, a que dá para o Café Académico e deixámos de o ver, o chefe de trupe deixou de andar calmamente e correu até à esquina. Eu, que na altura era novato na coisa, achei aquilo estranho mas corri também. E a verdade é que quando o chefe de trupe chegou à esquina viu que o ZZ assim que a contornara, perdera a compustura e desatara a correr.
- Atrás dele, gritou, dando ele o exemplo.
E nós também fomos atrás, acabando por o apanhar salvo erro, na rua que subia para os Arcos de S. Sebastião (ou do Jardim, como são mais conhecidos).
Bom, levámo-lo para a Sereia onde ele nos apresentou não sei que desculpas (acho que praticava uma qualquer modalidade na AAC, mas isso não era suficiente para o safar) e acabou por ser tosquiado à força toda. Foi um exagero de tesouradas e à minha conta, não o esquecerei, foram 23. O chefe de trupe deu mais de 100.
Mas a história não acaba aqui. A Faculdade de Economia era na altura a que estava mais distante do núcleo central das Faculdades da Universidade e por isso nós lá em cima nos Olivais não nos apercebíamos de algumas coisas que se passavam no centro da Academia. Por isso só umas semanas mais tarde, quando encontrei por acaso o chefe de trupe, que era um tipo de engenharia, é que vim a saber da repercussão que aquele rapanço tivera.
- Oh pá tu nem imaginas, contava-me ele entusiasmado, o ZZ pelos vistos era um gajo muito conhecido na Faculdade de Direito e o pessoal não gosta nada dele. Por isso quando começou a constar que fui eu o chefe da trupe que o rapou, o pessoal paga-me bebidas a torto e a direito. Até já me pagaram whisky`s.
Não queria deixar de registar, para memória futura, que mais tarde em contexto diferente conheci o ZZ e não tenho nada a dizer contra ele, razão pela qual desconheço o porquê dessa reacção. Mas para pagarem whisky's ao chefe de trupe, alguma ele deve ter feito, não vos parece?

2 comentários:

Batinas disse...

Que tristeza... Parece que, de trupes, quase só te lembras de situações em que me tramaste. És um traidorzito, já me arrependo de te ter reaberto a Porta da Irmandade!

Anónimo disse...

ler todo o blog, muito bom